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Por que quis ser médico?

Parece uma pergunta simples, até trivial. Mas ela guarda em si a possibilidade de muitas reflexões. Volta e meia me fazem essa pergunta. Desde a época da faculdade tenho uma resposta na ponta da língua: “fiz porque sempre gostei de biologia, de saber como o corpo funciona. Tive excelentes profissionais como exemplo etc.”.

E essa resposta sempre satisfez, a mim e aos meus interlocutores. No entanto agora, depois de mais de 20 anos na área, 6 anos de faculdade e 15 de formado, a resposta tem mudado. Na verdade, até a pergunta que me faço tem sido outra: “Por que continuo querendo ser médico?”

Sim, pois uma das poucas certezas que tenho é a de que fiz a escolha certa, independentemente da razão que me fez escolher. Quando ouço algum colega reclamando da profissão, reconheço sua razão, afinal, boa parte dos médicos é sufocada entre a ditadura cruel dos planos de saúde e o risco real de processos.

Por outro lado, penso que algumas características da medicina nos fazem profissionais privilegiados. Trabalhamos em contato direto com as pessoas, muitas vezes em momentos delicados, onde elas nos aparecem abertas a falar e a ouvir. Esses privilégios referem-se muito mais às questões do ser, do que às do ter.

Nesse ponto tenho que divergir do senso comum, repetido como mantra não só na medicina como em outras profissões, de que “lidar com gente é difícil”, no sentido de ser ruim. Realmente lidar com gente tem suas complicações, pois as pessoas são complexas. Porém, é essa mesma complexidade das pessoas que nos fornece o que temos de mais rico em nossa prática.

Entre outras coisas, elas nos trazem histórias de vida carregadas de emoção, que podem ser aproveitadas nas nossas experiências pessoais. Lidar com essas histórias e saber extrair delas o melhor é um desafio que me imponho. Uma imagem que faço e, às vezes, a de fases de um jogo. Umas fases são mais difíceis que outras.

Com as pessoas também é assim. E na verdade, quanto mais difícil uma fase que você consegue passar, maior é o prazer. Considero como passar de fase conseguir tocar o ser daquela pessoa, extrair algo de genuíno daquele ser. Ao prazer vaidoso da vitória, somam-se esses pequenos presentes traduzidos em sorrisos e brilhos nos olhos.

Como diz meu amigo Guilherme Ramos em seu livro Altruísmo: “nunca abandone um abraço sem antes dar um profundo suspiro”. Também procuro não terminar uma consulta sem saber um pouco mais do que os sintomas que aquele paciente veio relatar. Hoje então, quando me fazem a pergunta do porquê escolhi ser médico, a resposta ainda sai fácil, porém sempre seguida da razão pela qual continuo escolhendo ser médico a cada manhã: sou apaixonado pela alergia, e muito mais apaixonado pelo ser humano.

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